Há 20 dias recebi na minha humilde residência uma correspondência do grupo Abril oferecendo descontos fantásticos para assinar aquela que se consolida como a pior revista em conteúdo jornalístico do meu Brasil. Relutante, abri a correspondência, li, rasguei o papel e mandei pro lixo. “Veja”, ou melhor, “NãoVeja” é uma revista que nunca me interessou.
Confesso que me dá imensa preguiça em responder muitas coisas que são veiculadas em grandes grupos de mídia, aqueles dominados pela elite branca, machista, racista e homofóbica que se julga superior a tod@ brasileir@ que não esteja no padrão sociocultural e econômico da panelinha que domina os veículos de comunicação em nosso país.
Contudo, o artigo publicado na “NãoVeja” desta semana não me permite o silêncio. Consciente de que, hoje, estamos numa disputa de sociedade e que essa disputa passa pelo discurso; é impossível nos calar diante de tanta bobagem escrita em pouco espaço de texto. O autor destila seu veneno, seu preconceito e dá uma aula de como não fazer jornalismo.
O autor diz que não há motivo para lutar pelos direitos dos homossexuais no Brasil porque vivemos no “país das maravilhas” e homofobia é um assunto já resolvido. Que os avanços vêm com o tempo natural das coisas, da evolução e que, portanto, não há que se fazer movimento, passeatas entre outras atividades. Chega ao absurdo de dizer que não existe movimento gay no Brasil. Foca a individualidade para sustentar a tese de que não somos um movimento. Certamente, ele deve ter esquecido – ou não conhece – a história de luta dos direitos da mulher. Deve ter esquecido que para ter uma Lei Maria da Penha uma mulher precisou quase ser assassinada. Mas, focando no movimento LGBT o autor realmente não conhece ou preferiu ignorar a história de nascimento do movimento gay no mundo todo. Aquele mesmo que enfrentou a polícia, resistiu nas ruas e venceu tabus ao longo da história. A afirmação mostra grande desconhecimento de pesquisas país afora sobre a dura realidadedaqueles que “vivem o amor que não ousa dizer o nome”. Certamente o autor não conhece 1% da realidade de discriminação, violência e intolerância que bate à porta das nossas ONGS LGBT em todo o Brasil.
O autor também se arrisca a falar sobre o casamento civil igualitário. Como bom representante da elite conservadora sustenta que casamento é a receita de bolo pronta: homem/mulher/filhos e todo aquele blá blá blá que já conhecemos. Mas, para nossa surpresa quando achávamos que já tínhamos lido tudo vem a novidade, cômica por sinal, comparar a união civil entre pessoas do mesmo sexo a zoofilia. Dizer que uma pessoa pode viver união estável com uma cabra, mas não pode se casar com ela para justificar seu preconceito e sua opinião contrária ao casamento gay é desdenhoso. Alguém precisa informar ao redator da revista de maior circulação do país que gays, lésbicas, travestis e transexuais são seres humanos e não cabras. Tem de informar a ele também que o artigo da Constituição Federal que fala sobre a igualdade para tod@s Brasileir@s não é letra morta e jamais será apagado da nossa Constituição, pelo menos no que depender de nós.
Por falar em constituição o porta-voz do conservadorismo também se arrisca a debater a criminalização da homofobia colocando na mesma balança os assassinatos que vitimam as pessoas fruto da violência urbana. Há que se falar ao redator da “NãoVeja” que ninguém nesse país é assassinado porque é heterossexual. Negar que os assassinatos contra gays, lésbicas e travestis seja fruto do ódio e do preconceito é o mesmo que acreditar em papai Noel e coelhinho da páscoa. O autor desconhece completamente o projeto de Lei quetramita há mais de 10 anos no Congresso Nacional. Países de primeiro mundo que já aprovaram a criminalização da homofobia mostram que uma lei nesse sentido só vem a somar forças contra a violência, discriminação e exclusão daqueles que há séculos foram colocados como doentes, pecadores e, portanto, merecedores da pena máxima: a morte. O pensamento continua o mesmo, só que agora não nos colocam na fogueira, mas tiram nossas vidas com armas de fogo, espancamentos, facadas, pauladas. Os assassinos de homossexuais não se contentam em matar. Eles gostam mesmo é de torturar o corpo físico da vítima como forma de “lavar a honra” do macho dominador educado pela sociedade afim de não admitir que é possível viver o “amor que não ousa dizer o nome”. Assassinato como o de um jovem gay na cidade de Alfenas, no sul de Minas, onde o assassino não só matou,mas retirou o fígado do gay assassinado e assou numa sanduicheira. Se isso não for crime de ódio motivado por homofobia, então o que é?
O redator da “NãoVeja” perdeu uma imensa oportunidade de ficar calado. Como estudante de jornalismo estou envergonhado de assistir veículos de comunicação e jornalistas com tal postura. Os princípios básicos da informação – ética, apuração e verdade – devem ser buscados insistentemente. Nesse caso, prevaleceu a intolerância, a mentira, o preconceito, a falta de ética. O que me deixa convicto é que o autor escreveu não para o Carlos Bem e nem para o movimento LGBT. Ele escreveu esse texto para o público conservador que compra e assina a “NãoVeja”. Esse episódio nos ensina muito. Ensina que a comunidade gay precisa continuar caminhando rumo ao progresso, fortalecendo suas paradas, organizando a luta em prol dos direitos humanos em suas cidades. Ensina que estamos no caminho certo. Ensina que daqui algumas décadas nossos filhos e netos olharão o passado e ficarão indignados com a forma como parte da sociedade e da imprensa trata de temas como os direitos dos seres humanos homossexuais. Parafraseando o decano do movimento homossexual brasileiro, professor Luiz Mott, chegará o dia em que assim como “negros não são mais chamados de macacos; gays não mais serão comparados a cabras” adaptação minha. A luta continua!
Carlos Bem é estudante de jornalismo na Universidade Federal de São João del-Rei/MG (UFSJ), coordenador nacional da Articulação Brasileira de Jovens Gays (Artgay Jovem), diretor de direitos humanos na União Estadual de Estudantes de Minas Gerais e fundador do Movimento Gay da Região das Vertentes em São João del-Rei/MG.
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