quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Prioridade: Educação


A agência européia de estatísticas informou na quarta-feira 23 que até setembro de 2012 a maior parte do continente vira subir o peso da dívida pública ao sabor da crise. A conta média atingiu 85% do PIB da Europa. Na véspera, o presidente dos EUA, Barack Obama, assumira novo mandato com uma fatura de quase 100% do PIB, limite legal no país. Ele tem até março para negociar uma solução com o Congresso.
Se os europeus atravessam um “inferno fiscal” e os norte-americanos estão à beira de uma “abismo fiscal”, o Brasil vive quase um “paraíso fiscal”. Em 2012, a dívida pública, se medida pelo tamanho da economia, caiu pela nona vez em uma década e atingiu perto de 35%, como o governo divulgará nos próximos dias. Era de 60% em 2002 (governo FHC) e só não recuou em 2009 por causa da crise financeira global. Pelos padrões do Brasil e do mundo, uma queda expressiva. Com a fera domada em patamar razoável, muda a lógica das decisões sobre quanto arrecadar e o que fazer com os recursos. Usá-los para conter a dívida, algo que só favore o credor, o sistema financeiro deixa de ser o foco da política fiscal. Agora, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, prevalecerá a busca por crescimento e desenvolvimento.
A nova lógica permite, por exemplo, que o Tesouro separe este ano 5 bilhões de reais a mais do que pretendia para bancar uma redução da conta de luz antecipada pelo governo – vale desde a quinta-feira 24 – e ampliada: o desconto para residência subiu a 18% e para indústrias, a 32%. No fim de 2012, já se asistiu a uma amostra da disposição para inverter prioridades. Em dezembro, o governo usou expedientes contábeis legais, porém inusuais e não explicados, para arranjar dinheiro e pagar juros da dívida. Se tivesse cortado gastos durante o ano, talvez não fizesse um investimento recorde em educação: 25% da receita líquida (a Constituição determina 18%) ou 1,2% do PIB.
Estas ações são possíveis porque a queda do peso da dívida tirou poder do “mercado” nas transações rotineiras com o governo, que precisa rolar R$ 1,5 trilhão atualmente. O Estado está mais à vontade para negociar, pois quem deve menos paga menos. “O Brasil tem uma relação dívida/PIB pequena e poderá tomar decisões estratégicas de forma soberana. Para muitos, é terrível, porque não vai mais ter juro de 20%”, diz Augustin.
Por “decisões estratégicas” entendam-se corte de impostos e reforço do investimento público. Uma novidade é que agora o governo cogita de excluir governadores e prefeitos da obrigação de guardar tributos para pagar juros da dívida. Ajudá-los a investir mais é idéia que agrada à presidenta Dilma. Ela ouviu avaliação de que a taxa de reeleição dos prefeitos em 2012 foi pequena por falta de investimentos. É por isso que, em um encontro com seus ministros e novos prefeitos, de 28 a 30 de janeiro, o governo quer ensinar o caminho mais rápido até o dinheiro dos convênios. Menos impostos e investimentos País afora são medidas planejadas pelo governo para reanimar a economia, morna nos dois primeiros anos de Dilma – inclusive por dureza na busca de “soberania” ante o “mercado”. “A política fiscal segue em desacordo com o reaquecimento da economia. Ao longo de 2011, foi forte na redução do gasto. Em 2012, a restrição atingiu o próprio investimento público. O crescimento no governo Lula foi sustentado muito mais pela política fiscal do que monetária ou cambial”, afirma Marcio Pochmann, que dirigiu o Ipea durante o governo Lula.
Uma maneira de o governo botar em prática as boas intenções declaradas na área fiscal seria a redução oficial do pagamento de juros da dívida. Em lei aprovada pelo Congresso, a LDO, se autoimpôs a meta de 155 bilhões de reais em juros este ano, seis vezes o reservado ao Bolsa-Família. “A dinâmica da dívida pública hoje não requer um superávit primário dessa magnitude”, diz o economista da Unicamp Francisco Lopreato, especializado em política fiscal.
A “recompra” da soberania via superávit primário e queda da dívida tem sido uma experiência dolorosa. Desde o início da política de pagar juros com impostos, em 1998, o Brasil já gastou 1,1 trilhão de reais. É como se cada cidadão tivesse tirado 1 real do bolso, todos os dias, nos últimos 15 anos, para o governo dar ao “mercado”. Com a bolada, o Estado já teria liquidado a miséria e o déficit habitacional.
O superávit foi adotado quando o ex-presidente Fernando Henrique preparava-se para a reeleição. A dívida havia disparado desde 1994 e ameaçava sair de controle, sobretudo se o governo liberasse o preço do dólar, como o faria em janeiro de 1999, dias depois da reposse de FHC.
Autor de um livro que historiografou a dívida brasileira de 1822 a 2004 (Dois Séculos de Dívida, da Editora Unesp), o economista Guilherme Ziliotto identifica o endividamento pós-Real como um caso particular. Não financiou sem investimentos nem gastos cotidianos ou dívidas, as categorias mais comuns. “A estabilização teve o preço do crescimento da dívida”, afirma. Em outras palavras, o controle da inflação implicou necessariamente uma conta maior. Um sonho para o “mercado”. Endividar Estados nacionais e cidadãos, e mantê-los reféns, é tudo o que os sistema financeiro quer, segundo Michael Hudson, ex-analista financeiro de Wall Street e assessor econômico de um deputado (Dennis Kucinich) que em 2008 tentou concorrer à Presidência dos EUA, pelo Partido Democrata, contra Obama.
Em dezembro, Hudson publicou um artigo sobre o “abismo” à frente de Obama, para sustentar que, “durante a última geração, o 1% mais rico reescreveu as leis fiscais de tal maneira que agora recebe dois terços de toda riqueza”. E mais: a turma do 1% usa o lucro para financiar políticos aliados e para comprar meios de comunicação que moldam a percepção das pessoas.
Por tudo isso, não é desprezível a mudança que se consolida na política econômica brasileira. “Hoje o País tem soberania suficiente para tomar decisões. O “mercado” pode ficar nervoso, pode reclamar, pode bater pela mídia”, diz o secretário do Tesouro.

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